
A primeira vez que li a frase “faço porque gosto”, da ex garota de programa e na época, acadêmica de letras, Lolla Benvenutti, fiquei chocada. Como assim alguém gosta de se prostituir? Em seguida, devorei todos os conteúdos, sendo artigos, livros e entrevistas que tinha na internet sobre essa acompanhante.
A Lolla me trouxe um novo olhar sobre sexo e também da profissão. Não era um passatempo para ela, era algo que ela encarava mesmo como uma profissão e de forma tão bem resolvida. Ela se tornaria uma inspiração na minha jornada. Olhar para toda essa sexualidade com tanta doçura e naturalidade me espantava, mas também me despertava admiração e curiosidade desse desprendimento preconceituoso diante da profissão de acompanhante.
Levei isso para as minhas experiências e me permiti olhar para a sexualidade de forma natural. No entanto, nunca deixei de me questionar o porquê da relutância das pessoas em aceitar a profissão como qualquer outra e te convido a fazer algumas reflexões sobre o assunto.
Prostituição na história
Mulher de vida fácil, foi assim, ao longo da história que as prostitutas foram estigmatizadas. Uma das profissões mais antigas do mundo e, também, talvez a mais polêmica, graças a incapacidade sociocultural de aceitar o sexo como algo natural da vida.
Nem sempre a prostituição foi julgada como imoral, os registros históricos da profissão vêm da antiguidade, dos primeiros sinais de civilização na Mesopotâmia. Numa reportagem, publicada em setembro de 2019, na coluna Aventuras da História no site da Uol, a jornalista Bianca Nunes relata que tábuas sumérias de 2.400 a.C mostram que a deusa do amor se considerava ligada a prostituição tanto feminina quanto masculina.
Nesse período, a atividade, inclusive, era praticada dentro dos templos, locais sagrados de adoração.
“mulheres respeitáveis faziam sexo com o sacerdote ou com um passante desconhecido, realizando, assim, um ato de adoração a um deus ou deusa”
Regina Navarro Lins
Afirma a escritora e psicanalista Regina Navarro Lins em seu livro e best seller “A Cama na Varanda”, de 2010.
Quando a prostituição começou por aqui?
No Brasil, a história começa a registrar indícios da atividade desde a época da colonização, quando já ocorria os casamentos ou concubinatos entre as índias e os europeus. De acordo com a historiadora Mary del Priore, em 1549, na falta de mais mulheres para povoar a nova região, o Padre Manoel da Nóbrega pediu ao rei de Portugal que enviasse meninas órfãs e mulheres consideradas “erradas”, pois aqui elas arranjariam casamentos. Acredita-se que é a partir da chegada dessas europeias que houve os primeiros registros da profissão.
No início do século 19, o local da prostituição era a Rua das Casinhas, em São Paulo, que hoje tem o nome de Praça Manoel de Nóbrega. Sim, esse é o mesmo padre que lá atrás pediu a Portugal as mulheres “erradas”.
Sexo e a religião
É fato que a igreja sempre influenciou no comportamento social e moral da sociedade ditando normas e regras. No século XVIII, segundo o livro Histórias e Conversas de Mulher, os casais tinham que seguir o calendário da igreja, que se referia a restrições sexuais em determinados dias da semana, quaresmas, mulheres grávidas e também aquelas em período menstruais, pois, “acreditavam que elas podiam gerar filhos leprosos”, conforme a autora.
Esse é só um pequeno exemplo de como a religião afetou a vida sexual da nossa sociedade. Ainda existem mulheres que se privam de realizar seus desejos sexuais com os próprios maridos por acreditarem que é pecado sair do que é considerado normal, ou seja, apenas sexo papai e mamãe.
Um combo de tabus
Se juntarmos todos esses fatores e acrescentarmos a privação das mulheres em relação aos mesmos direitos de liberdade sexual que os homens possuem, desde sempre, podemos compreender a razão de todo o preconceito ao redor da profissão. Uma mulher que desfruta da liberdade sobre o seu corpo é sempre mais julgada do que um homem.
Logo, uma mulher prostituta seja ela cis ou trans, sempre vai sofrer preconceito maior do que um homem prostituto, pois já carrega o estigma do seu gênero sexual.
Outro fator determinante para mudar a ótica social é como as próprias acompanhantes se sentem em relação ao seu trabalho. Muitas delas, diferentes de uma Lolla Benvenutti da vida, carregam a vitimização da profissão, se justificando com a falta de oportunidades de trabalho ou necessidade financeira. Se nem as próprias profissionais vestem suas camisas, é difícil convencer uma sociedade a mudar seu conceito.
Por onde começar a mudança?
Imagine por alguns segundos que um apagão ocorreu no seu cérebro e você foi obrigado a aprender tudo novamente, imagine que toda a educação sexual reprimida foi deletada. Agora imagine, que nessa nova realidade o sexo é um bem-estar, tanto físico quanto emocional e que todas as pessoas de todos os gêneros são livres para se realizarem sexualmente.
Talvez, dentro desse panorama, onde sexo poderia ser sim algo benéfico, a profissão seja desprendida da objetificação das mulheres e do preconceito.
Tudo depende do quanto as pessoas estão dispostas a entender que as velhas crenças religiosas e repreensão sexual precisam ficar no passado e não na continuidade das novas gerações. Estamos vivendo em uma era onde o bem-estar emocional tem um papel fundamental no desenvolvimento humano, e se agarrar a antigos preconceitos só leva sofrimento à quem reprime e ou é reprimido.
É possível sim gostar da profissão de acompanhante, se procurar entender o quanto um momento de sexo, carinho ou só um bate-papo pode fazer bem para a pessoa que procura. Ela não paga pelo corpo, ela paga pela confidencialidade, pelo tempo e discrição. O que se faz no quarto nem sempre é sexo, e ainda que seja, do ponto de vista que sexo só faz bem, então, que mal há nisso?